O Bom Gigante Amigo – Crítica Sem Spoilers

A primeira vez que tive contato com Roald Dahl não foi com seus livros, mas com o filme “A fantástica Fábrica de Chocolate”, na TV, no início dos anos 80. Me apaixonei tanto por aquelas criaturinhas criadas por sua mente que corri até a biblioteca de minha cidade e fui atrás desta aventura em palavras. Naquela época (antes do Google) eu não tinha o nome do escritor, somente o nome do filme e a informação dada na época pela jornalista Glória Maria, de que se tratava de um filme baseado em um livro (acho que foi no Fantástico que vi isso, não me lembro bem).

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Para minha tristeza lá não tinha o livro que eu queria ler, o que era uma pena, pois eu tinha size_810_16_9_Willy_Wonkacerteza que os Umpa-Lumpas eram mais no livro do que vi no filme, e também, porque nos anos 80, por alguma razão que desconheço, livros custavam os olhos da cara (ou eu era muito “quebrado”?), porém, a senhora que me atendeu era uma leitora nata e me apresentou não somente ao nome do escritor, mas também a umas outras obras que estavam em português (de Portugal de facto) e que há pouco tempo havia chegado a biblioteca.

Os livros eram James e o Pêssego Gigante  e  O Bom Gigante Amigo. Foram mais de 400 páginas recheadas de amizade, respeito, dignidade, responsabilidade e fidelidade. Ou seja, tudo aquilo que toda criança deveria receber durante seu desenvolvimento moral. Mais tarde tive o prazer de conhecer outras obras de Roald Dahl como Matilda, As Bruxas (que ganhou o nome de Convenção das Bruxas na versão em português para os cinemas em 1990)e, claro, A fantástica Fábrica de Chocolate, que por sinal, ganhou duas versões no downloadcinema, a de 1971 e outra dirigida por Tim Burton em 2005, esta sendo mais fiel ao livro, mas que mesmo tendo sido feitos com um esmero profundo e respeito com a obra original, não substituem o prazer de navegar por entre as páginas originais, já que um filme  apresenta um ponto de vista que não necessariamente representará o seu próprio.

Roald Dahl birthday quiz - how well do you know your Dahl? Quentin Blake

Quando eu soube que a Disney estaria desenvolvendo o filme a partir deste livro e que Steven Spielberg estava à frente desta empreitada, aquele garoto de dez anos, que dormia dentro de minhas lembranças, despertou e ficou muito entusiasmado. Afinal, foram anos de espera para ver como seria a Sofia e o bom e orelhudo BGA em 3D.

O filme não poderia ser mais fiel ao livro, salvo alguns detalhes que verdadeiramente não iriam funcionar com os jovens de hoje como, por exemplo, algumas referências metalinguísticas. Entretanto as falas e a forma de desandar do filme foram bem trabalhadas pelo diretor de maneira a preservar o encanto dos personagens de mais de 30 anos de idade.

Director Steven Spielberg attends a news conference for the film "The BFG" (Le Bon Gros Geant) out of competition at the 69th Cannes Film Festival in Cannes

O filme, entretanto, pode não tocar a todos da mesma forma que o livro faz, pois, assim como Doutor Seuss, Dahn usa da linguagem da criança para passar as suas aventuras. Com isso você tem um conteúdo que beira o conceito do sem sentido e, em muitas das vezes, as soluções podem ser consideradas estranhas e sem lógica. Pode parecer tolo de minha parte ao dar importância a isso, no entanto, observando alguns jovens, e até mesmo meu filho, vendo o filme, não consegui captar a essência que ganhei quando li o livro. A mensagem ou mensagens estão lá, porém acabaram um pouco mascaradas por conta da magnificência de ótimos efeitos especiais e a direção dinâmica de Spielberg. Mas isso, de forma alguma, transforma o filme em algo ruim, mas cria uma ligação entre a criança e a família, que será vital para que o aproveitamento deste momento juntos em frente à telona seja total e especial.

No filme vemos a referência do autor para uma das criaturas mais antigas do folclore inglês: O Sandman, ou como é conhecido aqui Zé da areia, João Pestana e por aí vai. Roald Dahl quis fazer algo mais incrível, por assim dizer, e cria um gigante que caça sonhos e o leva para crianças à noite. Seu trabalho vai muito bem até que é visto pela jovem órfã Sofia (Sophie, na versão original). Por regra, para esconder seu segredo, o Gigante a leva para seu mundo. A Terra dos Gigantes. Lá ela vai descobrir que aquele ser gigante é muito mais que sua aparência mostra e que sentimentos verdadeiros podem mudar qualquer um dando-lhes armas para reorganizar suas vidas.bfg-arvore

No papel de Sofia temos a atriz Ruby Barnhill em seu primeiro trabalho no cinema. A garota de doze anos faz muito bem a personagem com graciosidade em mostrar uma criança forte, decidida e inteligente, porém sem perder o encanto da sua inocência. Uma característica bem marcante nos livros de Roald. No entanto achei que faltou alguma coisa na atuação que, apesar de boa, ficou um tanto plástica, beirando em alguns momentos a uma performance teatral. Talvez isso se explique pelo fato dela ter atuado quase todo o filme em cenários de chroma Key. Mas não se preocupem, pois não afeta o desenrolar da narrativa nem o aproveitamento da personagem. Se você a comparar por exemplo com a ex-atriz Mara Wilson, que interpretou 14mai2016--o-ator-mark-rylance-promove-o-filme-o-bom-gigante-amigo-1463230680833_300x420outra personagem de Dahl, Matilda (1996), fica complicado não fazer as comparações quanto a atuação. Mark Rylance, mais conhecido por fazer um espião russo no filme “Ponte de espiões” (2015), levando o merecido Oscar de melhor ator coadjuvante, empresta seu corpo e voz ao personagem título. Sua versão em CG está perfeita e acredito que se não fossem as artimanhas feitas por BGA o ator poderia ter feito tranquilamente o papel sem o artifício da captura de movimento. A pureza e a gentileza, misturada ao jeito simples, que toca leitores desde de 1982, deste gigante foram muito bem administrados pelo talento de Rylance. Você realmente compra o personagem e acaba se encantando com seu jeito engraçado de trabalhar as palavras. Por falar nisso, quero fazer uma ressalva ao excelente trabalho de dublagem, que tenho certeza teve trabalho na hora de passar estas palavras para o português e adaptar muitas delas.

Outras estrelas estão enfeitando o filme, como por exemplo Bill Hader que faz o papel doMV5BNTY3MzgwMjE3N15BMl5BanBnXkFtZTcwNjc2MjE3NA@@._V1_UX214_CR0,0,214,317_AL_ Líder do grupo de gigantes não tão simpáticos e claro, a trilha sonora inconfundível e brilhante de John Williams.

Fico feliz em ver que Spielberg optou por manter a história em sua ambientação original no início dos anos 80 e, claro, os fatos políticos, que apesar de parecerem engraçados em uma primeira vista, são, também, fortemente críticos, contudo, foi arriscado por conta de um público que não viveu estes momentos ou que provavelmente não vai saber de quem se trata muitos dos nomes colocados ali. Fica então como dica conhecer um pouco da política e líderes mundiais entre 1980 e 1987. Mas não leve isso como dever de casa, pois dá para ver o filme independente disso.

Minha nota é um bom 8, pois vale muito a pena ver, desde que você se desprenda de conceitos muitos severos da realidade e saiba que está indo ver um filme baseado em uma obra infantil. Levar seus filhos ou sobrinhos seria um ótimo programa.

Aconselho também ler o livro que ganhou uma edição muito bonita da Editora 34 e o preço está próximo de quarenta reais. Para o livro dou uma nota 10.


Nome: O Bom Gigante Amigo (The BFG)
Direção: Steven Spielberg
Baseado na obra de Roald Dahl

Gênero: Aventura, Família, Fantasia
País: Estados Unidos
Ano: 2016
Duração: 117 minutos
Classificação: Livre.


Sinopse
A pequena órfã Sophie (Ruby Barnhill) encontra um gigante amigável que, apesar de sua aparência assustadora, se mostra uma alma bondosa, um ser renegado pelos seus semelhantes por se recusar a comer meninos e meninas. A garotinha, a Rainha da Inglaterra (Penelope Wilton) e o ser de sete metros de altura unem-se em uma aventura para eliminar os gigantes malvados que estão planejando tomar as cidades e aterrorizar os humanos.

Sobre Nando Alves

Escritor....desenhista. ...professor.  não  necessariamente nesta ordem.  Adora quadrinhos e livros  e tudo que se criou a partir deles.  Acredita que a leitura é uma  importante arte e que dela tudo pode acontecer....até  mesmo nada..

Publicado em 30 de julho de 2016, em Cinema, Literatura, Opinião e marcado como , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . Adicione o link aos favoritos. 6 Comentários.

  1. Esta é umas das criticas mais bem escritas que já tive o prazer de ler . Você realmente tem conhecimento do que está falando e consegue ser didático em cada palavra . Parabéns pelo trabalho de vocês .

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  2. Nando . Você escreve de um jeito que não da vontade de parar de ler. Tomei a liberdade de imprimir todas as suas criticas para mostrar para alguns amigos.

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  3. Muito boaa sua critica .visao poetica e de conteudo.

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    • Nós fazemos o possível para atrair mais gente para nosso grupo sendo a vontade de agradar nosso carro chefe. Uma pergunta vc é a lidia amiga do marcos roBerto? Abs

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